As aulas tinham começado e, com elas, o som do despertador a lembrar que havia horários a cumprir.
Na rua, o dia já tinha começado há muito tempo. Segui o meu caminho na direcção da estação. Ultrapassei e fui ultrapassada: dezenas de pessoas com uma passada apressada (algumas nem tanto…) também desciam a rua, que àquela hora da manhã parecia ter um só sentido.
Foi quando o vi: não tinha mais de 25anos, uma farda azul e um boné de cores gastas. Ia trabalhar, a farda não enganava. Subia a rua com a segurança de quem programou bem os seus horários e sabe que tem tempo para chegar ao seu destino. Olhei o relógio. Também tinha tempo. Voltei a olhar para ele. Estava mais perto; subia determinado a rua que descia para a estação. Sem dificuldade, remava contra a maré. O boné escondia-lhe a cara, a sombra não deixava perceber o seu rosto, só os olhos pareciam arder naquele rosto escurecido, naquele vulto inexpressivo. Tinha os olhos claros.
Cruzámo-nos, ele passou mesmo ao meu lado, tão perto… não me viu, acho que nem olhou para mim. Eu era só mais uma que fazia aquele caminho, tal como aquelas por quem ele já tinha passado e as que vinham atrás de mim (talvez a reparar nele também). Queria ser diferente, chamar-lhe a atenção... Tarde demais, ele já tinha passado, já não estávamos no caminho um do outro. Então, qualquer coisa me desviou a atenção, não sei o que foi, não me lembro, mas não voltei a lembrar-me dele.
No dia seguinte a rotina repetia-se: o mesmo caminho, a mesma direcção, o mesmo desconhecido. E os dias foram passando e ele continuou a subir a rua.
Às vezes sinto que o conheço. Naqueles instantes de cada dia as nossas vidas tocam-se: sinto-lhe o cheiro, percebo a sua respiração, capto a sua essência. Por segundos partilhamos o mesmo mundo. Depois cada um segue o seu caminho, em mundos certamente tão diferentes e qualquer coisa me chama a atenção, acho que já sei o que é… e esqueço-o.
Hoje em dia ele já me vê, já me reconhece. Quando nos cruzamos, todos os dias, mais ou menos no mesmo sítio, mais ou menos na mesma hora, ele olha para mim como se soubesse quem eu sou. Continuo sem ver bem o seu rosto mas o seu olhar basta. Às vezes parece que me vai cumprimentar mas logo a seguir já está nas minhas costas, a subir aquela rua que eu desço. Talvez amanhã lhe deseje um Bom Dia. Talvez ele não me responda. Não faz mal, afinal de contas ele é só um desconhecido de todos os dias.
Na rua, o dia já tinha começado há muito tempo. Segui o meu caminho na direcção da estação. Ultrapassei e fui ultrapassada: dezenas de pessoas com uma passada apressada (algumas nem tanto…) também desciam a rua, que àquela hora da manhã parecia ter um só sentido.
Foi quando o vi: não tinha mais de 25anos, uma farda azul e um boné de cores gastas. Ia trabalhar, a farda não enganava. Subia a rua com a segurança de quem programou bem os seus horários e sabe que tem tempo para chegar ao seu destino. Olhei o relógio. Também tinha tempo. Voltei a olhar para ele. Estava mais perto; subia determinado a rua que descia para a estação. Sem dificuldade, remava contra a maré. O boné escondia-lhe a cara, a sombra não deixava perceber o seu rosto, só os olhos pareciam arder naquele rosto escurecido, naquele vulto inexpressivo. Tinha os olhos claros.
Cruzámo-nos, ele passou mesmo ao meu lado, tão perto… não me viu, acho que nem olhou para mim. Eu era só mais uma que fazia aquele caminho, tal como aquelas por quem ele já tinha passado e as que vinham atrás de mim (talvez a reparar nele também). Queria ser diferente, chamar-lhe a atenção... Tarde demais, ele já tinha passado, já não estávamos no caminho um do outro. Então, qualquer coisa me desviou a atenção, não sei o que foi, não me lembro, mas não voltei a lembrar-me dele.
No dia seguinte a rotina repetia-se: o mesmo caminho, a mesma direcção, o mesmo desconhecido. E os dias foram passando e ele continuou a subir a rua.
Às vezes sinto que o conheço. Naqueles instantes de cada dia as nossas vidas tocam-se: sinto-lhe o cheiro, percebo a sua respiração, capto a sua essência. Por segundos partilhamos o mesmo mundo. Depois cada um segue o seu caminho, em mundos certamente tão diferentes e qualquer coisa me chama a atenção, acho que já sei o que é… e esqueço-o.
Hoje em dia ele já me vê, já me reconhece. Quando nos cruzamos, todos os dias, mais ou menos no mesmo sítio, mais ou menos na mesma hora, ele olha para mim como se soubesse quem eu sou. Continuo sem ver bem o seu rosto mas o seu olhar basta. Às vezes parece que me vai cumprimentar mas logo a seguir já está nas minhas costas, a subir aquela rua que eu desço. Talvez amanhã lhe deseje um Bom Dia. Talvez ele não me responda. Não faz mal, afinal de contas ele é só um desconhecido de todos os dias.