quinta-feira, setembro 14, 2006

Quando há quem descreve tão bem o que sentimos...

"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas.

Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo. O que quero é fazer o elogio do amor puro.

Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides,borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas,a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice,facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu,a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.

O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."

Miguel Esteves Cardoso

6 comentários:

a_mais_fofa disse...

Não podia deixar de dar os PARABÉNS à mais_fixe... És uma amiga incrível que me entende e que partilha muitas das minhas loucuras. Tudo de bom para ti!

Anónimo disse...

oix
so pa dizer que os vossos textos sao altamente e muito lindos e que continuem com o blog pois sera famoso
jinhuxxx fofos pa todas voces em especial pa mais fofa:)

a_mais_fixe disse...

Concordo totalmente o k está escrito - este texto é LINDO! É uma feliz coincidência que o meu post favorito (até ao momento, claro) tenha sido publicado no dia dos meus anos...eheheh gostei!

Obrigada pelas palavras mais_fofa =D

Nada a ver: quando tiver tempo, tenho d por uns novos vídeos porque a selecção musical anda demasiado parada!

*********

a_mais_linda disse...

mais_fixe, o teu post favorito??? então e todas as minhas brilhantes dissertações passadas?? daqui a nada o miguel esteves cardoso passa a ser conhecido como a_mais_romantica!!! mas ok, após o meu vigésimo encontro com este texto decidi finalmente lê-lo apenas porque foi a mais_fofa a postálo, e ok vale a pena mas não é o que sinto, não faço minhas estas palavras, e mais,quando diz no texto que já não se faz nem se sente isto e aquilo, pergunto eu quando é que se fazia? num tempo em que eu não vivi, claro, mas de certeza que alguém o viveu? acho que não, mas hoje também não tou pra filosofias, talvez amanha!!

Anónimo disse...

Olá mais_fofa =P

Adoro este texto... acho q consegue transpor para palavras aquilo q às vezes sentimos mas não conseguimos explicar... =)

Gosto tb muito do vosso blog... acho q está muito original... e as vossas odisseias aí pela faculdade são bem cómicas... por isso continuem.. :D

Beijinhos pahs mais * e um especial para a mais_fofa (um xi-coraçao pa ti linda) ;)

Anónimo disse...

Thats it babe...